Fantasia e luto infantil: uma análise do filme “Sete minutos depois da meia noite”


Jorge Lucas

O filme “Sete Minutos Depois da Meia-Noite” se passa na Inglaterra e retrata a história de Conor O’Malley, um garoto de 13 anos que experiencia uma série de eventos importantes, com destaque para o câncer em estado terminal sofrido por sua mãe e o bullying recorrente que sofre na escola. Resistindo às tentativas de contato de sua avó, e revoltoso com a ausência de seu pai (que mora nos Estados Unidos), Conor ingressa em um processo árduo para alcançar a elaboração das experiências traumáticas que vivencia. Através da fantasia, o garoto cria a figura de um “monstro-árvore” com o qual dialoga em diversas passagens do filme – esses diálogos consistem em histórias que de alguma forma assemelham-se ou conectam-se com as experiências vividas por si, como a separação de seus pais, a presença da avó (aversiva, embora bem intencionada), o bullying e a doença de sua mãe.

Ao correr dos eventos, o garoto sente-se cada vez mais isolado e “invisível”, chegando a apresentar comportamentos violentos em diversas situações, à medida em que o estado de saúde de sua mãe se deteriora, assim como sua relação com a avó, pai e colegas de escola. O ponto crucial do filme ocorre quando a interlocução dos diálogos com o monstro inverte-se, de forma que Conor se vê forçado pela criatura a contar-lhe sua história em uma das cenas finais e mais marcantes. Durante esse diálogo, o garoto reconhece seus sentimentos quanto à situação vivida pela mãe, bem como o peso de sentir-se isolado e solitário. A partir desse insight, torna-se possível reestabelecer a relação com sua avó e aceitar a eventual perda de sua mãe.

Conor possui um histórico de aprendizagem problemático, estando sempre inserido em contextos aversivos ou punitivos, como a separação dos pais, a doença da mãe, o bullying, entre outros. Muitos de seus comportamentos, apresentados durante a história do filme, estão relacionados diretamente com essas experiências – a exemplo, os acontecimentos que se desenrolam em torno da doença da mãe (negligência, acúmulo de responsabilidades, entre outros) contribuem para que Conor sinta-se tão isolado e afastado a ponto de sentir-se “invisível”. Esse sentimento de invisibilidade presente em sua história estará por trás de muitos comportamentos desadaptativos do garoto, com destaque à passividade com que se submete ao bullying praticado por seus colegas de escola – a propósito, Conor chega muitas vezes a procurar essas agressões, e tem um rompante de ira quando esses abusos cessam, uma reação emocional despertada pela mera possibilidade de sentir-se ainda mais invisível.

Durante o enredo do filme, alguns comportamentos de Connor O’Malley nos fornecem dados importantes sobre seu estado psicológico, como a notável maturidade que apresenta ao tomar conta das tarefas domésticas – comportamento que, embora possa parecer positivo, é fruto de grande desgaste para Conor, tanto a nível psíquico quanto das suas relações interpessoais, a exemplo dos atritos com sua avó. É principalmente através da fantasia e a criação do “monstro-árvore” que Conor passa a mudar o cenário, podendo assim vivenciar importantes diálogos com a criatura, através dos quais discrimina e elabora suas experiências – este, portanto, constitui para si um comportamento altamente funcional e positivo, responsável, em grande parte, pela elaboração das experiências traumáticas que vivencia, assim como a emissão de respostas diferenciais em contextos que lhe são aversivos, como o contato com a avó e o estado de saúde da mãe.

O comportamento de fantasia está amplamente presente na história de Conor – sua mãe, dada às artes e à imaginação, contava-lhe histórias e constantemente estimulava-o no sentido de criar e imaginar, de maneira que essas experiências se associam profundamente com a relação entre ambos. Posteriormente, Conor, sendo um garoto introspectivo, utiliza o recurso da fantasia no enfrentamento dos problemas que lhe acometem, em especial a doença da mãe. O filme nos traz, de maneira elucidativa, as experiências fantasiosas que Conor vivencia junto à figura do “monstro-árvore” – figura esta que ele cria a partir de diversas associações com as histórias que sua mãe lhe contava na infância (a própria árvore da qual o monstro é composto chega a ser referenciada pela mãe em alguns trechos do filme). Essas experiências são essenciais ao garoto, que obtêm, através destas, recursos para significar de maneira saudável o seu luto, abordando temas complexos e delicados na forma de metáforas e figuras que suavizam e ilustram aspectos da vida real.

Ao final da história do filme, Conor conclui um processo conturbado. Os recursos do sonho e da fantasia auxiliam-no na árdua tarefa de elaborar o momento de sua vida, aprimorando seu autoconhecimento e fazendo amainar os estímulos aversivos originados pela doença da mãe e todos os fatores que a circundam. Aceitando o luto, o rapaz pode finalmente descansar e emitir uma série de respostas diferenciais, a exemplo da sua postura no enfrentamento da doença da mãe, a retomada do contato com a avó, e até mesmo o fim da passividade com que recebe o bullying, reagindo e afirmando “Não sou invisível!”. Essas respostas diferenciais alteram significativamente a experiência do garoto, que se permite perder as esperanças no tratamento da mãe e se dispõe a ter um melhor relacionamento interpessoal – nessa etapa, o garoto não está mais isolado, e não possui sobre si o peso das responsabilidades de um adulto, passando a ser livre para agir e viver como um garoto comum, embora tenha sofrido uma importantíssima perda.

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