Como a gente vira gente


Cesar Barbado

A psicologia é uma ciência relativamente recente que, em sua busca pelo entendimento da subjetividade humana, propõe diversas maneiras, diferentes e não excludentes, de se conceber a construção do sujeito. Dentre essas maneiras há a Psicologia Sócio-Histórica, uma abordagem que propõe uma concepção de sujeito baseada nas ideias do materialismo histórico e dialético. Segundo ela, o sujeito se forma em uma relação ativa, complexa e não linear dele com seu meio social. Essa relação dialética é uma relação bilateral onde o sujeito também altera a sua sociedade, apropriando-se do seu processo histórico e de sua cultura, e torna-se sujeito a partir dessa relação.

Nesta visão, cada pessoa é vista como um ser construído historicamente pelas suas relações e condições socioculturais. Essa constituição do sujeito é determinada por sua condição social, cultural e histórica, ao mesmo tempo em que ele mesmo constrói a sua sociedade, cultura e história. É uma via de mão dupla. Desta forma, o sujeito é visto não como mero resultado do meio, mas como autor ativo de si mesmo, sempre inseparável da sua relação dialética com o meio em que está inserido, e sobre o qual também atua como agente de transformação da sua realidade objetiva.

Essa condição humana implica em um limite de possibilidades, uma vez que esse sujeito em constante formação está inserido em uma época, em uma sociedade e em uma cultura de onde retira suas possibilidades e impossibilidades de ser. Portanto, além de entender que o sujeito é autor de si mesmo, indissociável da sua história e da sua realidade objetiva, é importante ressaltar que não há uma autonomia absoluta: essa sua relação com a objetividade implica também na imposição de limites às suas possibilidades e escolhas.

De uma maneira mais detalhada, a concepção de ser humano da Psicologia Sócio-Histórica está fundada em cinco princípios básicos:

  1. não existe natureza humana, o sujeito tem origem na sua realidade social e não há sentido em ser pensado fora dela;
  2. existe a condição humana, sem nenhum determinante a priori que não possa ser suplantado na medida em que o ser humano se constrói na relação com os outros;
  3. o sujeito é um ser ativo, social e histórico que se constrói atuando sobre o mundo com os outros sujeitos em um movimento permanente;
  4. o sujeito é criado por ele mesmo. Não há natureza humana pronta. Sua única aptidão é desenvolver várias aptidões no contato com a cultura e com outras pessoas. O sujeito se constitui e aprende a ser sujeito, adquirindo um conjunto de significados e uma visão de mundo, desenvolvendo assim sua consciência e atuando sobre o mundo;
  5. o objeto da psicologia é o sujeito concreto, inserido na sociedade, compreendendo-se a sua singularidade, inserida na sociedade e no tempo, que determina quem ele é e lhe dá sentido.

Nesta visão o sujeito não é determinado por uma condição inata. Ele se constrói historicamente, inserido em uma relação dialética com sua realidade concreta, ao mesmo tempo em que é capaz de modificá-la, dentro de limites de possibilidades e impossibilidades. É sabendo que o humano só se constitui à medida que pode apreender as experiências históricas e culturais já existentes que podemos então valorizar e ressaltar as conquistas da humanidade e, a partir delas, fortalecer nossa possibilidade de relação transformadora com o social.

REFERÊNCIAS

AFFONSO, C. A Liberdade, assistida, de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e seus fatores de proteção - Uma análise sob o olhar da Psicologia Sócio-Histórica. 2007. 143 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

BOCK, A. M. B. Formação do psicólogo: um debate a partir do significado do fenômeno psicológico. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, vol.17, n.2, 1997.