Dentre os diversos temas abordados pelo filósofo existencialista Jean-Paul Sartre encontra-se também a psicologia. De acordo com essa linha de pensamento, a existência humana precede a essência humana. Explicando melhor, não nascemos predeterminados a sermos especificamente qualquer coisa que seja. Cabe a nós mesmos construir quem somos. Somos totalmente responsáveis por inventar a nossa vida, a partir das escolhas que fazemos. Estamos condenados a ser livres pois, mesmo quando optamos por não fazer escolha nenhuma, ainda assim esta é uma escolha que fazemos.
É importante notar que não se trata de uma liberdade absoluta, uma vez que somos seres no mundo, e este mundo repleto de possibilidades também nos impõe tantas outras impossibilidades. Trata-se sim da liberdade de vontade. Liberdade para nos projetarmos em direção ao futuro que queremos, dentro do contexto que a realidade (e a sociedade) nos impõem.
Desta forma, não somos seres prontos e acabados, mas sim seres em um processo constante de totalização. Nossos comportamentos são expressões de um projeto existencial de autocriação e de construção do nosso próprio destino. Por mais que a realidade do ambiente e as demais pessoas possam impor limites às nossas possibilidades de ser e agir no mundo, podemos sempre tentar superar essa situação, nos projetando para além dela, transcendendo essa condição.
Outro aspecto importante a se considerar é a temporalidade. Todas as nossas ações no mundo acontecem ao longo do tempo. À nossa frente existe um horizonte de possibilidades. A cada instante escolhemos concretizar uma dessas possibilidades: agimos no mundo a partir de uma escolha que é feita dentro de todas as possibilidades de ação (ou não ação) que temos diante de nós. Assim que concretizamos essa escolha, ela passa a fazer parte da nossa história, e ela se junta ao universo de todas as outras escolhas que fizemos, em nosso passado. Imutável. É o conjunto destas escolhas históricas, feitas ao longo da nossa existência, que define quem nós somos.
E você diria: então é óbvio que a minha história é construída do passado para o futuro! E é aí que está a pegadinha: é assim que você percebe a construção da sua história, mas não é bem assim que ela acontece. Repare que, no momento em que você escolhe uma dentre as infinitas possibilidades que se apresentam diante de você, isto não é feito ao acaso. Há um propósito, uma meta, um objetivo seu que guia essa escolha. Esse é o seu projeto de ser.
Esse seu projeto de ser é fundamental para que, dentre tudo aquilo que você pode fazer, você escolha aquilo que realmente faz. Nesse processo você se lança no futuro, na direção d’aquilo que escolhe para si. A partir do presente você se lança no futuro, na direção da sua escolha. Assim que a sua ação em direção ao futuro se concretiza na realidade, ela passa imediatamente a constituir o seu passado.
Nesse movimento de síntese entre futuro, presente e passado, você tem a nítida impressão de que é aquilo que você fez no passado que constitui a sua história. Nós esquecemos que, quando esse passado ainda era o presente, houve essa fagulha que nos lançou em direção a uma opção de futuro. Só então, o que era uma possibilidade, se tornou uma atitude concreta no mundo, e virou o nosso passado imutável. É assim então que, nos lançando constantemente e intencionalmente no futuro, definimos quem fomos e quem somos.
REFERÊNCIAS
TEIXEIRA, J. A. C. Introdução às abordagens fenomenológica e existencial em psicopatologia (II): As abordagens existenciais. Análise Psicológica, v. 15, n. 2, p. 195-205, 1997.
SCHNEIDER, D. R. Sartre e a psicologia clínica. Editora da UFSC, 2011.