O Brasil tem uma das leis mais completas e avanças em relação à proteção dos direitos do idoso, cobrindo os mais diversos aspectos, que vão desde a preferência no atendimento, passando pelo direito à saúde, qualidade de vida e bem estar social. E cobre até questões como o acesso à cultura, ao lazer e ao entretenimento.
Então nós nos perguntamos, porque ouvimos tanto falar no Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto tão poucas pessoas sequer algum vez leram o nosso Estatuto do Idoso?
Acontece que o conceito de velhice, assim como todos os outros, é construído social e historicamente. Então, para entender como é vista a velhice hoje no Brasil, temos que considerar diversos fatores no processo histórico que produziu as ideias atuais sobre o que é ser velho no nosso país.
Um desses fatores é a criação dos planos de aposentadoria, que começou com ferroviários a partir de 1890, e evoluiu ao longo de quase um século, até a sua consolidação como direito universal na constituição de 1988.
Outro aspecto é o crescimento da população idosa, que aumentou rapidamente a partir dos anos 1960, impulsionada em parte pelos avanços na medicina moderna.
Também devemos considerar nosso modelo econômico, que privilegia e valoriza as pessoas que são produtivas em detrimento das que não o são. E junte-se a isso uma distribuição desigual de renda.
Por fim temos uma cultura assistencialista historicamente arraigada, que não reconhece o bem estar social como um dever o Estado, que deve ser concretizado por meio de políticas públicas.
É este contexto socio, histórico e cultural que acentua a representação social dos aposentados no nosso país como pessoas improdutivas, e da velhice como um período de doença e decadência, geralmente associada à pobreza. A representação social da velhice está tão depreciada na nossa sociedade que até criamos a expressão ‘terceira idade’ para substituir a palavra velho.
Na nossa sociedade, o termo ’velho’ é associado a perdas, doença, solidão e pobreza. Então dizemos ‘idoso’, que já é considerado por muitos como um termo respeitoso. Embora no começo ele tenha sido usado para se referir aos indivíduos com mais idade e que tinham uma condição social melhor. Pobre era velho, rico era idoso.
Já o termo ‘terceira idade’ é uma invenção da nova, que tenta dar um significado mais positivo para a velhice, mas faz isso negando da própria velhice. Não sou velho, estou na terceira idade. Ou ainda, estou na melhor idade!
Esse tipo de preconceito contra a velhice é chamado de ‘ageismo’. A teoria do ageismo fala da redução do status do idoso diante da modernização e industrialização das sociedades agrárias, apontando quatro principais mudanças que desvalorizaram o idoso:
Agora, se paramos pra pensar, esse é o tipo de preconceito mais incoerente que pode existir, pois é o preconceito contra si mesmo! Ele vai atingir todos nós. Só precisamos viver o suficiente pra ficarmos velhos.
Além disso, é um preconceito muito grave, porque raramente é percebido por nós. Ele está implícito e articulado inconscientemente no meio da sociedade. E ainda, esse preconceito influencia e determina políticas e práticas sociais segregadoras e discriminatórias, que diminuem a qualidade de vida dos velhos.
Considerando que o número de velhos no Brasil aumentou muito e continua aumentando, a sociedade e os governantes deveriam criar e a aplicar políticas públicas que promovam o bem estar dos mais velhos, derrubando essa visão preconceituosa e promovendo uma representação social positiva e respeitosa para eles.
REFERÊNCIAS
BORGES, M. C. M. et al. As Múltiplas Faces da Velhice no Brasil. Campinas, SP: Editora Alínea, 2003.
COUTO, M. C. P. de P. et al. Avaliação de Discriminação Contra Idosos em Contexto Brasileiro – Ageismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 25, n. 4, 2009.
PEREIRA, J. K. As Representações Sociais de Velhice e Terceira Idade: Um Estudo de Caso Sobre Um “Grupo de Terceira Idade” de Caratinga/MG. Caratinga: UNEC, 2006.
SILVA, L. I. L. et al. Lei Nº 10.741. Brasília, Estatuto do Idoso, 1º de outubro de 2003.